16 dezembro 2006

Combate ao tráfico humano

Representantes do Brasil e de Portugal se reuniram em Brasília nas últimas semanas de 2006 para debater um assunto que há muito tempo parecia ter sido esquecido pela sociedade: o tráfico de seres humanos.

Durante o encontro, a comissão parlamentar portuguesa apresentou uma investigação sobre os cidadãos irregulares que comprova que 150 mil brasileiras se prostituiram na Europa somente no ano de 2005. Devido à facilidade com o idioma, mais da metade se encontrava na Península Ibérica vivendo sob um regime de semi-escravidão e longe dos grandes centros urbanos. Dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de Portugal, provam que mais de 50% das mulheres detidas em ações de fiscalização em território luso eram vítimas de redes internacionais de prostituição. Um número assustador.

Por isso, o governo português anunciou recentemente que vai legalizar os imigrantes irregulares que colaborarem com a polícia e a Justiça no combate ao tráfico de pessoas. O Estado garante a proteção da vítima e até menciona um tipo de atendimento social e psicológio, se for necessário. Essa nova lei, que ainda vai ser apresentada na Assembléia da República de Portugal, tem como objetivo principal desmantelar as redes de imigração ilegal que há espalhada em todo o território português.

Além dos números apresentados durante o seminário em Brasília, autoridades brasileiras e portuguesas afirmaram que o Brasil é o principal “fornecedor” da mercadoria, que pode até mesmo ser encomendada pela internet. Com promessas de uma vida melhor, esses imigrantes, sobretudo as mulheres, acreditam ingenuamente que do outro lado do Atlântico tudo pode ser diferente. Quando chegam num país desconhecido, têm seus passaportes “apreendidos” pelos organizadores do tráfico e passam a servir de objetos de escravização sexual.

Segundo as estimativas da ONU, esse tipo de tráfico pode movimentar até 7 bilhões de dólares anualmente. Resta, no entanto, esperar que a nova lei seja aprovada. Quem sabe assim, oferecendo uma autorização de residência aos ilegais, as polícias de Portugal e Espanha, principalmente, conseguem destruir essas perigosas organizações.

Desafios de um imigrante

Morar no exterior pode parecer glorioso diante dos olhos de quem nunca esteve fora do Brasil. Um novo mundo, nova língua e nova cultura. Uma experiência única. Lição de vida. Coragem. Vivência. As pessoas que olham para nós julgam-nos respeitados e admirados aqui fora. Acham que estamos bem financeiramente, que temos um certo “status” e que, por isso, vamos subestimá-las. Mas as coisas, já sabe o leitor, nem sempre são assim.

A vida no exterior pode, certamente, ter um certo glamour. Temos a possibilidade de crescer culturalmente, curtir a vida de uma maneira diferente e fazer coisas que praticamente nunca teríamos a oportunidade de fazer no Brasil. Mas por outro lado, também pode ser estressante. E muitas vezes, sofrida.

Trabalhar inúmeras horas pode ser um bom exemplo. Uma vez entrevistei um humilde brasileiro que encontrei nas ruas de Lisboa. Queria apenas seu depoimento para a seguinte pergunta: por que você veio para Portugal? O rapaz, um jovem do interior paulista que veio atrás de emprego, confessou que trabalhava 17 horas por dia e disse que apenas não foi para os Estados Unidos ou Inglaterra porque não falava inglês.

Situações como regularização de vistos, atendimento público em postos de saúde, desemprego, necessidade, falta da família e dos amigos são apenas alguns tópicos a serem citados. Noites mal dormidas, preconceito por ser brasileiro e o frio intenso são apenas outros exemplos. E sem falar da cara fechada desse povo que não parece nada com o latino. E se por acaso eles sabem rir, nós sabemos dar gargalhada.

Más experiências, contratempos e sofrimentos. O interessante de tudo isso é perceber que, ainda assim, a maioria dos imigrantes ainda têm outro desafio: o dilema de renunciar essa vida e regressar ao Brasil.

Fim de um sonho brasileiro

Em maio deste ano, quatro famílias de Maringá, em um total de 15 pessoas, vieram de mala e cuia tentar repovoar uma cidade em Vila de Rei, uma região interiorana no centro de Portugal. O projeto, um acordo da Câmara Municipal de Vila de Rei com a Prefeitura de Maringá, no Paraná, tinha como objetivo combater a desertificação da aldeia, que até então contava apenas com uma população bastante envelhecida e uma mão-de-obra pouco ativa.

Àquela altura, o programa prometia casa, alimentação, luz, escola para quem tivesse filho, além de visto de residência e contrato de trabalho numa casa para idosos. Resultado: mais de dois mil maringaenses se inscreveram na Prefeitura da cidade, todos com o objetivo de melhorar a qualidade de vida.

Depois de assinado os contratos, as famílias foram recebidas com festa por parte das autoridades portuguesas, tudo porque largaram suas vidas no Brasil para vir ajudar a repovoar uma cidade praticamente perdida em terras lusitanas. Apareceram em jornais, revistas e foram entrevistados inúmeras vezes por repórteres de diversos canais de TV. Entre os selecionados para tamanha responsabilidade, estavam um professor, uma psicóloga e uma jornalista. De acordo com a autarquia de Vila de Rei, a idéia era trazer mais 250 brasileiros oriundos de Maringá até 2008.

Hoje, cinco meses depois de toda a euforia, os brasileiros dizem sentirem-se enganados. Das quatro famílias que aqui desembarcaram, apenas uma continua na aldeia. Uma voltou para o Brasil, outra mudou-se para uma cidade vizinha e a terceira fugiu para uma cidade nos arredores de Lisboa, dizendo que abandonaram o local porque nada que lhes prometeram foi cumprido. Em entrevista a um canal de televisão, um deles usou a palavra “pesadelo” e disse que até chegou a passar fome. A Câmara Municipal afirma que nunca criou falsas expectativas em relação ao que seria dado aos brasileiros em Vila de Rei. Mas agora é tarde demais. Vivendo de forma precária, tudo que eles querem é juntar dinheiro para voltar ao Brasil. Portanto, caro amigo, é sempre importante desconfiar se te oferecerem “casa, comida e roupa lavada” no exterior.

O paraíso é aqui

O sino bate pontualmente às 6h15 da manhã: hora de acordar. Quinze minutos depois, o café e o pãozinho quente estão servidos na mesa. E como trata-se de um dos lugares mais fantásticos do Brasil, nada poderia deixar de ser ao som da algazarra dos pássaros, que voam livremente numa das pousadas mais charmosas da região. Sim, o paraíso fica no Pantanal Matogrossense.

De repente, uma bela aterrisagem de um tucano, que diante de tantas árvores não consegue escolher o melhor galho. Arara também há aos montes, que com sua belíssima plumagem encanta qualquer turista. O dia começa mesmo cedo, e às 7h todos devem estar prontos para mais uma jornada. Pela frente, ainda tem caminhada dentro das matas, alimentação aos jacarés, passeio a cavalo e de barco. E de quebra, o viajante pode ter a sorte de observar o pôr-do-sol mais bonito da sua vida.

Viajar ao Pantanal não é meter os pés na lama. Nem mesmo deparar-se somente com cobras e jacarés. É uma viagem que nos faz crescer pessoalmente e experienciar novas culturas. Sentir-se longe da civilização também é importante. E o brasileiro, infelizmente, ainda não descobriu isso.

Segundo as estatísticas do governo do Mato Grosso do Sul, 70% dos turistas que vão ao Pantanal são estrangeiros. Gente do mundo todo atrás de coisas belas que só nós temos, mas que deixamos de lado.

Depois de anos fora do Brasil e por ter conhecido gente de todos os lados, cheguei a conclusão de que todo mundo um dia já quis ser brasileiro: os franceses, os ingleses, os dinamarquêses... Até entendo o porquê. Mas enquanto isso, nós, brasileiros, por outras questões, queremos mesmo é morar longe de lugares assim. Bem longe do paraíso.

23 agosto 2006

Um velho-novo país

Moro em Lisboa há quatro meses, mas pouca gente sabe disso. Também, o que são quatro meses diante da infinidade do tempo que nos cerca? E digo uma coisa: mudar pra cá foi uma das atitudes mais sensatas que tomei ultimamente.

Vim com a filosofia de “quem muda de país uma vez, muda duas e muda três”. E diante dos meus sentimentos, já não tinha mais nada a perder, mesmo. Aqui em Portugal, na terra que vem do meu sangue, estou em casa. Imensamente. Sinto-me eu mesma, revigorada e ainda por cima tenho a oportunidade de ir à praia todo final de semana. Sim, porque eu passei toda a minha juventude com marquinha de biquíni.

Aquele cinza de Londres que todo mundo diz que existe – e que a gente sabe que existe mesmo – já estava me sufocando e me deixando um tanto triste. Sim, usemos essa palavra, que é pra não dizer algo mais profundo. “Depressivo” é uma palavra muito forte pra quem apenas teve os sintomas da tal doença.

Não que a capital britânica não seja uma cidade divina, pois é! Eu é que acabei me desencantando na terra da Rainha. E resolvi arriscar. Claro que tive medos, receios e pensei que poderia não dar certo. Mas diante de tamanho desafio, bati forte no peito e decidi que viria. “Qualquer coisa eu volto”, pensei. E foi assim que vim parar em Lisboa: sem família, sem marido e sem amigos.

Ainda não posso dizer que voltei a morar “num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, mas aqui, pelo menos, eu abro a janela e vejo o sol, e isso á algo fundamental na minha vida. A afinidade cultural é a mesma, e aqui sim: há calor humano. Adoro a Inglaterra e passei lá dias felicíssimos da minha vida. Aprendi, cresci, até que comecei a pedir mais. Queria voar mais alto.

Em uma conversa interessante com o jornalista Marcos Uchôa, aprendi que na Inglaterra, o pessoal ri. “Mas no Brasil, eles dão gargalhada. E isso faz uma diferença muito grande na vida”. Não que eu tenha aprendido isso com ele, mas depois desse dia passei a reparar melhor. Ele estava certo.

Estou feliz. E digo já uma coisa: se não é no Brasil, na Inglaterra e se não for em Portugal, há de ser em algum lugar do mundo. E tenho certeza que eu, com tamanha gana de viver, hei de não ter problemas em encontrar o meu próximo lugar.

05 agosto 2006

Paixão retratada

Lembro-me, como se fosse hoje, como tudo começou. E foi por acaso. Aquela geração de 1992 apenas me incentivou ainda mais a praticar o esporte. Não, mas não estou falando de futebol. Geração de 92? Sim, aquele time de vôlei que ganhou a primeira medalha olímpica brasileira em esportes coletivos. Uma geração vencedora de uns meninos que mal conheciam a palavra vitória e motivada por um capitão pra lá de orgulhoso de ser brasileiro.

Acabei jogando vôlei durante sete anos, todos vividos no auge da minha adolescência. Sim, e orgulho-me disso. Tinha metas, sonhos e objetivos. Queria ser jogadora de vôlei, jogar pela seleção e disputar uma Olimpíada. Eram sonhos, muitos sonhos que vivi intensamente. Treinava, suava, fazia questão de levantar uma bola perfeita pra minha companheira de equipe passar pelo bloqueio adversário e conseguir colocar a bola no chão.

Acompanhei histórias, perdi, venci e vivi momentos de glória. Dei autógrafos, cheguei até mesmo a tirar fotos com crianças que achavam que eu ficaria logo famosa. Fui tiete, sim, como toda garota da minha idade. Corria atrás dos jogadores, escrevia cartas, pegava autógrafos e sonhava em tirar foto ao lado deles. Consegui muitas e muitas vezes. Outras não.

Mas, então, naturalmente, um por um, fui tornando-me amiga deles. Cumprimentos, elogios, conversas antes e depois dos treinos. Tinha até um deles interessado na minha ingenuidade de menina. Porém, este desistiu logo.

Hoje tenho 25 anos, já não jogo mais vôlei, mudei meus planos e minha vida tomou outro rumo. Mas acompanho a nossa seleção brasileira masculina de vôlei há 14 anos. Assisto jogos, vou às partidas, comemoro cada vitória como se eu mesma estivesse ali dentro de quadra. E sofro, também sofro com a derrota. Emoções e sentimentos, para mim, andam de mãos dadas.

Uma paixão que ainda não acaba por aqui. A seleção muda, se renova e ganha novos jogadores e capitães. Mas sempre acompanharei nossa seleção de sucesso, como sempre fiz, desde menina.

01 agosto 2006

Recanto no Mediterrâneo

(Matéria originalmente publicada na revista Plenitude, Lisboa, agosto/2006)

Considerado um dos maiores destinos turísticos da Europa, Palma de Maiorca recebe visitantes do mundo todo atraídos pela beleza das praias, pela arquitectura local e até mesmo pela sua simplicidade

Mariana Cacau

A paisagem é calma, serena e repleta de belas praias de areias brancas e finas. Baías tranquilas, pequenas vilas de pescadores e campos de trigo também tomam conta do cenário. É assim a ilha de Maiorca, a maior e mais badalada das Baleares, arquipélago que também compreende as ilhas Menorca, Ibiza e Formentera. Situada na zona mais ocidental do mar Mediterrâneo e apenas a 200 quilómetros de distância da Espanha continental, Maiorca caracteriza-se não somente pelo clima ameno e temperaturas moderadas, mas também pelas heranças romanas, islâmicas e catalãs deixadas em seu centro histórico.

A sua capital, Palma, tem uma população de quase 380 mil habitantes e é um dos destinos mais procurados da Europa por turistas que acorrem às estâncias balneares em busca de sol, das águas mornas do mar e da brisa morna que vem do Mediterrâneo. Por isso, escolher a melhor praia torna-se uma tarefa difícil. Mas diante de tantos visitantes, os locais de maior aglomeração de turistas são El Arena, Playa de Palma e Ca’n Pastilla, situados a oeste da capital.

Além de todo o contacto com a natureza que a ilha oferece, outras diversões também ficam por conta da animação da cidade diante dos inúmeros bares, restaurantes, lojas e discotecas sempre cheias, principalmente nos meses mais quentes do ano. É devido a toda essa infraestrutura que a capital é conhecida pela agitada vida nocturna. Mas apesar do ambiente moderno, Palma foi fundada há muitos anos; ainda no século I a.C.

Cultura
Engana-se, portanto, quem pensa que Palma é somente um lugar sofisticado e cheio de agitação. A cidade ainda preserva uma imensa riqueza cultural e arquitectônica cercada de palácios barrocos, igrejas góticas e um bairro antigo cheio de mansões. O cenário histório também é lugar de destaque.

Uma parada obrigatória para o viajante que caminha rendido pelos encantos do centro antigo é a enorme catedral gótica, La Seu. Símbolo maior da ilha e cercado pelo Parque do Mar, o patrimônio mais espectacular de Palma foi construído em calcário dourado ainda no século XIII. A catedral teve seu interior remodelado séculos mais tarde pelo arquitecto Antoni Gaudí, que dirigiu uma série de trabalhos destinados a recuperar parte de seu espaço original.

As paisagens em Maiorca, místicas de um Mediterrâneo que já foi cruzado por Romanos, Árabes e Cartagineses, sofrem alterações constantes. Ao norte da ilha encontra-se a serra da Tramuntana, uma vasta planície central com mais de 3600 km² de alternadas montanhas abruptas. A região é cercada de olivais, belos bosques de pinheiros e pequenos vilarejos. No alto da serra, ainda é possível visitar a remota aldeia de Lluc que abriga um mosteiro construído nos séculos XVII e XVIII.

Quem viaja para Maiorca em busca de algo mais além de praia e da agitada vida nocturna certamente o encontrará. Também se darão conta dos belos pomares de árvores frutíferas, dos portos de pesca onde os piratas de outrora atemorizavam os habitantes da ilha e ainda das numerosas residências aristocráticas espalhadas pelo campo. O importante é que, em Maiorca, os turistas têm perante si um extenso canal de cultura, conhecimento e lazer.

Unidos pelo samba

(Matéria originalmente publicada na revista Jungle Drums, Londres, fevereiro/2006)

Projeto une jovens do Rio e de Londres através da música e da dança

Mariana Cacau

Tudo começou há alguns anos quando representantes de duas escolas de samba do Rio de Janeiro resolveram vir para o Reino Unido. Com o passar do tempo, as coisas foram dando tão certo que inúmeros projetos ligados ao samba foram surgindo. Projetos diferentes, mas com apenas um objetivo: mostrar o lado positivo e cultural do samba, não somente para os brasileiros, mas também para os ingleses.

Assim, em 2002, surgiu o Samba Xchange (www.sambaxchange.org), um programa desenvolvido com a ajuda do Creative Partnership, no sul de Londres, que em parceria com a Paraíso School of Samba e o A2 Arts College formaram um grupo comunitário chamado “Samba Zona Sul”, que já vem se apresentando em diversos eventos locais, como no Carnaval de Notting Hill. As escolas de samba cariocas Mangueira e Estácio de Sá também estão engajadas no projeto. É assim, através dessas parcerias no Rio de Janeiro e em Londres, que o Samba Xchange tenta explorar e ensinar os impactos culturais da dança às crianças e jovens entre 12 e 18 anos.

O coordenador do projeto, Matt Lewis, é um inglês apaixonado pelo Brasil e que morou no país durante pouco mais de um ano. Ele explica que a principal intenção do Samba Xchange é a troca de idéias entre os jovens e fazer com que eles conheçam novas pessoas a fim de gerar algo positivo no futuro. “Na verdade, samba é apenas uma porta de entrada. O importante, além de aprender mais sobre a dança, é fazer com que eles descubram uma nova cultura e modos de vida diferentes das que eles têm em Londres”, conta Matt.

Para que essa aprendizagem aconteça na prática, o Samba Xchange planeja levar entre dez e 15 jovens para o Brasil até o final deste ano. A idéia é fazer com que eles participem de atividades culturais no país e ensaiem com escolas de samba do Rio de Janeiro. “Eles curtem o que fazem. Não sabem muito sobre o Brasil, mas de repente se vêem envolvidos com o samba: dançam, tocam, cantam e criam suas próprias fantasias alegóricas”, afirma Matt.

A troca de experiência e cultura deve acontecer também para as crianças brasileiras: elas virão para Londres aprender inglês, ficarão em casas de família e participarão de eventos, como o Thames Festival, em setembro. Tudo será muito bem monitorado pelos coordenadores do projeto. Entretanto, como eles ainda estão procurando patrocínio, a maior preocupação do pessoal do Samba Xchange é se eles terão condições financeiras suficientes para levar esses planos adiante.

A arte de investigar a vida

(Matéria originalmente publicada na revista Viração, São Paulo, novembro/2004)

Mariana Cacau (texto e foto)

Persistente, calmo, flexível e democrático. Ouvir e aprender com os outros. É assim que o jornalista Caco Barcellos se considera em poucas palavras. Dono de uma fantástica trajetória de reportagens e histórias jornalísticas, Caco ingressou nessa profissão por acaso, quando ainda estudava engenharia e percebeu que tinha aptidões para a escrita. "Gostava muito de escrever e comecei a fazer o jornal da faculdade", lembra. "Então, parei o curso que estava fazendo e fui com o jornalismo até o fim".

Depois de ter trabalhado por alguns anos de forma independente na América do Sul e Central, onde contava história dos povos latinos, Caco foi convidado a trabalhar na mídia impressa e, só mais tarde, foi parar na televisão. "Gostei muito da TV quando fui morar nos Estados Unidos", explica o gaúcho. Hoje, entre idas e vindas, ele está há mais de 15 anos na Rede Globo.

A investigação é uma de suas grandes marcas. Para ele, tudo deve ser perfeitamente planejado e tem como fator básico para esse tipo de jornalismo a segurança. Caco conta que algo que considera fundamental é avisar o acusado de todas as informações que possui contra ele antes de colocar a reportagem no ar. "A primeira coisa que eu faço antes de denunciar alguém é avisar que vou denunciar", explica. "Isso serve para ele poder se defender e provar que eu estou equivocado. Se minhas informações estiverem erradas, serei obrigado a jogar no lixo anos de pesquisa que foram levantadas contra ele", conta.

Seus dois mais recentes livros também tiveram como base a investigação: Rota 66 e Abusado. O último narra a história de um traficante no morro Dona Marta e revela o esquema da venda de drogas e outras atividades ilegais no Rio de Janeiro. Além disso, Caco ganhou a confiança dos moradores do morro e a ele foram contadas as táticas das quadrilhas e a rota que a droga percorria. Isso lhe rendeu, em setembro, o Jabuti como livro do ano na categoria não-ficção, o mais tradicional e importante prêmio literário brasileiro. "Foi uma grande surpresa para mim", entusiasma-se.

Depois de alguns anos vivendo na fria cidade de Londres - assim ele mesmo descreve - como correspondente internacional, o jornalista agora vive em Paris, de onde também envia suas reportagens para o Brasil. Lembra, porém, para aqueles que começam agora, que ter talento somente não basta. Com anos de experiência nessa área, ele garante uma coisa: tem que trabalhar.

Se ele, que tem talento de sobra, diz isso, alguém vai duvidar?

Pra lá de Bonito

(Matéria originalmente publicada na revista Viração, São Paulo, outubro/2004)

Mariana Cacau, de Bonito - MS

Ele simplesmente tem prazer pelo que faz. Também, quem não teria? Trilhas, caminhadas pelas matas, flutuação nos rios com peixes coloridos, visitas às grutas todas as semanas e, ainda com sorte, deparar-se com uma sucuri.

O cenário: Mato Grosso do Sul. A cidade? Bonito. É ali mesmo, naquele lugar com pouco menos de 20 mil habitantes, que encontramos Ederval Carbonaro, um jovem guia de 30 anos que há 8 vem dedicando todo o seu trabalho em defesa da cidade e do turismo. Nascido em Itaporã, a alguns quilômetros dali, Ederval foi para Bonito e gostou tanto da cidade que resolveu ficar. Dois anos depois, foi convidado a fazer um curso de guia. "Passei nos testes e logo comecei nessa área", conta.

Trabalhar como guia em uma das mais belas e melhores cidades de ecoturismo do Brasil é muito prazeroso, mas não é tão fácil como parece. E como em tudo que se faz, há vantagens e desvantagens. Ederval aponta a qualidade de vida como um dos principais pontos positivos de seu trabalho, além de poder conhecer muitas pessoas. "Tenho contato diariamente com muita gente de todos os lugares do mundo", afirma. "Isso enriquece muito meu conhecimento e minha cultura."

Mas qual será o lado ruim de ter um escritório em campo aberto, em uma mata cheia de bichos, com rios de água límpida e peixes de todos os tipos? A resposta, ele mesmo dá. "Às vezes, perdemos um pouco nossa liberdade. O turista depende totalmente dos guias para fazerem as coisas e acabamos virando o centro das atenções. Isso nos esgota um pouco, apesar de ser conseqüência do trabalho", conta.

Capaz de diferenciar o canto de cada pássaro, uma plantinha da outra, ou ainda um tronco de árvore entre milhares que podem ser vistos na região, Ederval afirma que ser guia é uma profissão como as outras, apesar de parecer que ele passeia todos os dias. "Não é assim. Eu trabalho com pessoas, e para isso preciso de uma dinâmica e de um jogo de cintura muito grande", avalia.

Para Ederval, um turista em Bonito não faz somente ecoturismo, mas também recebe um pouco de aula de educação ambiental. "Se o turista não pode fazer algo, o guia explica o motivo e as conseqüências para a natureza." Cuidar dos turistas é um jeito bonito de trabalhar, curtir a vida e a natureza. Aliás, é pra lá de Bonito.

07 julho 2006

Liberdade ameaçada

(Matéria originalmente publicada na revista Viração, São Paulo, novembro/2005)

Em nome da guerra ao terror, governo britânico lança plano que pode ir contra os direitos humanos; os jovens protestam

Mariana Cacau, de Londres (Inglaterra)

A vida dos jovens ingleses vem mudando a cada dia que passa. Londres, uma cidade cosmopolita que abriga gente de mais de 50 países e que fala quase 40 idiomas, está vivendo uma grande ameaça contra a liberdade civil e os direitos humanos devido a uma lei antiterrorista que está sendo criada, e que pode ser implantada a qualquer momento na Inglaterra.

Em artigo publicado em um jornal inglês no início deste ano, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, já havia defendido um pacote de medidas que incluía a prisão de suspeitos de terrorismo. Hoje, três meses depois dos atentados terroristas em Londres que mataram mais de 50 pessoas, o premiê apresentou oficialmente seu projeto de lei que pode dar poderes à polícia de prender um suspeito por até três meses sem nenhuma acusação formal, alegando que a proteção da população contra o terrorismo é sua principal tarefa.

Além disso, também estabelece deportar muçulmanos do Reino Unido suspeitos de ligações com grupos terroristas, e ainda fechar locais usados para “pregar o ódio”, como livrarias ou websites radicais.

Essa série de medidas gerou bastante polêmica e fortes críticas de grupos ativistas em defesa dos direitos humanos. No entanto, Blair se defendeu dizendo que “se preocupava muito com as liberdades civis no país, mas a liberdade civil mais importante é o direito de viver sem a ameaça de ataques terroristas”.

Jovens na berlinda
Com tanta especulação sobre atentados terroristas, jovens ingleses começaram a prestar mais atenção no que está acontecendo no mundo. Eles se interessam pelo assunto, discutem, opinam, fazem blogs e até criam grupos de discussões. Organizaram dezenas de protestos contra a invasão do Iraque e o plano de Blair e criaram novas organizações. Uma delas é a School Students Against War (SSAW – “Estudantes contra a guerra”), fundada em 2003 somente por alunos de escolas da Grã-Bretanha. O movimento é tão organizado que há dois anos conseguiu reunir aproximadamente 50 mil jovens em um protesto nas ruas contra a guerra no Iraque, e conta até com um website na internet (www.ssaw.co.uk, em inglês) que dispõe das últimas notícias e futuras campanhas.

A maioria dos jovens que fazem parte da SSAW se reuniram na capital inglesa dia 24 de setembro em um protesto contra a presença de tropas inglesas no Iraque. São jovens espalhados por todo o Reino Unido que defendem a liberdade civil, a comunidade islâmica no país e que se reunem periodicamente para discutir os planos do governo e organizar campanhas contra a guerra.

Em entrevista ao jornal inglês Socialist Worker, a estudante Alys Elica Zaerin, 17 anos, da coordenação do grupo, conta que todos os dias jovens a procuram interessados em fazer parte da SSAW. “Temos que protestar contra esses abusos. George W. Bush e Tony Blair são responsáveis pelas 100 mil mortes que aconteceram no Iraque até agora. Eles têm poder suficiente para mudar essa situação e é por isso que não vamos ficar parados.”

Como Jean Charles
O estudante Thomas Will, 18 anos, que também integra a SSAW, garante que se ninguém protestar ou expôr suas opiniões, é fácil para o governo reprimir as pessoas. “A liberdade civil que temos é algo limitado, mas um princípio muito importante”, afirma. “Mesmo que não sofremos diretamente sobre os ataques aos direitos humanos ou que pareçam não ter significado imediato na nossa vida, mesmo assim estão nos atacando, pois qualquer dia um de nós pode ser preso sem nenhum tipo de julgamento.” E serem vítimas como aconteceu com o brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado por policiais, em 22 de julho.

O jovem britânico afirma que os ataques de 7 de julho não o impressionaram e acredita que o terrorismo não afeta o governo de Tony Blair, apenas faz com que ele fique ainda mais forte.

A inglesa Manuela Martins, 19 anos, considera a situação muito delicada e sai em defesa do premiê. “As pessoas aqui estão muito assustadas com o terrorismo e Blair precisa fazer alguma coisa para controlar quem está envolvido em movimentos radicais”, diz a estudante, que concorda em deportar se for preciso. Manuela defende o primeiro-ministro em alguns pontos, mas é contra a guerra.

Assim como Manuela, a estudante Shiwley Begum, 19 anos, também concorda em deportar gente que está ligada ao terrorismo. “Sei que é uma situação difícil por causa da liberdade civil, mas acredito que essa lei deve ser colocada em prática desde que saibam exatamente quem está sendo colocado para fora do país”.

A vida dos brasileiros residentes em Londres depois dos ataques terroristas também mudou. Há um ano e meio na Inglaterra, o paulista Thiago de Lima, 22 anos, conta que chegou a mudar de vagão no metrô ou descer do ônibus antes de seu ponto porque desconfiou de certos passageiros. “Hoje tudo já voltou ao normal, mas cheguei a mudar de metrô quatro vezes em um mesmo dia por suspeitar de gente estranha”, conta.

03 julho 2006

Sonhada volta ao mundo

(Parte da minha história “Sonhada volta ao mundo”, no qual ainda estou trabalhando)

As palavras do meu pai ainda ecoam na minha memória. Entre tantos encontros e despedidas, nunca havia visto ele chorar tanto daquele jeito. “Estou super feliz por você. Você merece”, disse, aos soluços. Ele sempre foi o modelo de homem que eu queria para mim. Meu pai, meu herói.

Dois dias depois do meu casamento, lá estava eu de malas prontas no aeroporto de Guarulhos. As lágrimas, entretanto, eram constantes. Passei anos sonhando com meu casamento e minha lua-de-mel, sobretudo em viver com o Matthew, meu marido, e deixar de sofrer pela nossa distância e o tempo em que ficávamos sem nos ver. No entanto, eu parecia estar dividida. Toda vez que me despedia do Matthew, as lágrimas não hesitavam em cair. Agora, elas caíam por outro motivo: eu estava indo embora, e estava me separando dos meus pais. Era triste pensar que eu, com 24 anos, parecia ter sempre um motivo para chorar. “Não quero viver de despedidas”, pensei comigo mesma.

Mas não adianta, pois eu sabia que isso iria acontecer. De certa forma, eu aceitava, pois era em Londres que eu queria trabalhar, estudar e acima de tudo, viver e começar a vida de casada ao lado do meu marido. Sabia que seria um tanto doloroso, só não imaginava que sentiria tanto essa dor da maneira que senti.

O avião decola em direção a Santiago, onde faríamos conexão para a Ilha de Páscoa. Tento olhar para baixo e ver o Brasil mais uma vez antes de partir, mas o chileno ao meu lado sentado perto da janela, não dava a mínima importância para o que ele poderia ver ali embaixo. Eu chorava no avião, meus olhos estavam inchados. Queria mesmo era me esconder. Do outro lado, o Matthew parecia não entender nada de emoções, sentimentos, dor, saudade e tristeza. Ele devia estar pensando algo do tipo “como ela pode estar triste se está em lua-de-mel prestes a dar a volta ao mundo?”. Não, provavelmente ele não entendia mesmo.

Seis horas depois, já em Santiago, sentia-me melhor. Liguei para minha mãe para dizer que estava bem. Ela, do outro lado do telefone, parecia que ainda não tinha se acostumado com a idéia de viver longe da filha. E pra falar a verdade, eu também não. “Mãe, só estou ligando pra dizer que chegamos bem em Santiago”. Mentira, eu queria mesmo era mais um pouquinho dela, de falar com ela, saber se ela estava bem. Resolvi desligar logo. “Não quero começar a chorar novamente”, pensei.

02 julho 2006

Copa do Mundo de um imigrante

Passar uma Copa do Mundo fora do Brasil é, certamente, uma experiência diferente. A primeira questão começa com a cobertura jornalística que se tem da seleção do país em que você está no momento (no meu caso, a de Portugal), e não da seleção brasileira. Tento acompanhar minuciosamente o que se passa com nossos jogadores pela internet para não somente me sentir em clima de Copa do Mundo, mas também para estar por dentro do que acontece com a nossa seleção: detalhes que nós, imigrantes, não temos no exterior com tanta acurácia.

A segunda questão é devido ao próprio clima de Copa do Mundo. Tanto em Portugal como na Inglaterra, não há ruas pintadas com as cores da seleção do país, bandeirinhas que cobrem bairros, nem muito menos as pessoas deixam de trabalhar durante aqueles 90 minutos para acompanhar os jogos de sua seleção. Portugal vai jogar às 16h em uma terça-feira? Paciência. Se não há ninguém na empresa que leve uma humilde TV para acompanhar os gols, os portugueses hão de ouvir o jogo por um radinho a pilha mesmo. Nada de fechar bancos, escolas ou todo e qualquer estabelecimento como as pessoas fazem no Brasil. O máximo que se vê são bandeiras penduradas nas janelas das casas ou do lado de fora nos carros. Mais nada.

Mas há uma situação curiosa nisso tudo: mesmo estando no exterior, brasileiro é sempre igual, e a festa que ele faz contagia todo mundo. Assisti ao primeiro jogo Brasil x Croácia em Lisboa. Surpresa foi a minha ao entrar no metrô e deparar-me com um vagão lotado de brasileiros vestidos de amarelo (e os que não estavam de amarelo, estavam de verde enrolados na bandeira!). O número de conterrâneos era tanto, que nunca tinha visto tanto brasileiro no exterior de uma só vez como vi aquele dia. O Parque das Nações, onde vimos o jogo, estava completamente lotado de brasileiros.

O jogo Brasil x Austrália eu já estava em Londres. A festa, animação e comemoração são a mesma, e meu marido, que é inglês, estava super entusiasmado pra ver o jogo num bar brasileiro. Vi filas enormes para entrar em locais onde os brazucas estariam reunidos. Porém, o mais engraçado na Inglaterra é ver os jornalistas e comentaristas tentarem justificar o porquê do Brasil não ganhar esta Copa do Mundo, e há vários motivos: desde o Cafu estar velho demais pra jogar futebol, até porque o Brasil não costuma ganhar Copas na Europa. A rivalidade contra o Brasil é, e sempre será, assim mesmo.

Quanto mais eu moro no exterior e viajo por esse mundo afora, mais me conveço de uma coisa: não há ninguém no mundo que nunca pensou um dia em ser brasileiro.

Coração que bate estranho

Jogo: Portugal x Inglaterra. Era certo de que minha torcida e vibração seriam de um único time: o de Portugal, claro. Além de estar atualmente morando aqui e de estar acompanhando essa seleção diariamente pela imprensa portuguesa (é até capaz de eu saber o nome de seus 11 titulares), também tenho uma grande simpatia pelo país. Claro, pois quem não tem? Somos países irmãos. Além disso, não há brasileiro nenhum que não torça pelo sucesso do estimado Luís Felipe Scolari.

Mas surpresa foi a minha ao começar a disputa pela segunda vaga da semi-final. Minha vibração, que inicialmente seria toda doada para o time português, rapidamente se converteu em uma série de pensamentos positivos em prol do time inglês. “Sentimento estranho”, pensei, logo no início do jogo. Mas meu coração me enganou. Logo nos primeiros minutos da competição, percebi para quem realmente eu torcia após uma rápida arrancada do time de David Beckham: era o da Inglaterra.

“Estranho se não fosse”, tranquilizei-me. Pois, afinal, qual foi o país que me acolheu e que adotei oficialmente como minha segunda casa?