07 julho 2006

Liberdade ameaçada

(Matéria originalmente publicada na revista Viração, São Paulo, novembro/2005)

Em nome da guerra ao terror, governo britânico lança plano que pode ir contra os direitos humanos; os jovens protestam

Mariana Cacau, de Londres (Inglaterra)

A vida dos jovens ingleses vem mudando a cada dia que passa. Londres, uma cidade cosmopolita que abriga gente de mais de 50 países e que fala quase 40 idiomas, está vivendo uma grande ameaça contra a liberdade civil e os direitos humanos devido a uma lei antiterrorista que está sendo criada, e que pode ser implantada a qualquer momento na Inglaterra.

Em artigo publicado em um jornal inglês no início deste ano, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, já havia defendido um pacote de medidas que incluía a prisão de suspeitos de terrorismo. Hoje, três meses depois dos atentados terroristas em Londres que mataram mais de 50 pessoas, o premiê apresentou oficialmente seu projeto de lei que pode dar poderes à polícia de prender um suspeito por até três meses sem nenhuma acusação formal, alegando que a proteção da população contra o terrorismo é sua principal tarefa.

Além disso, também estabelece deportar muçulmanos do Reino Unido suspeitos de ligações com grupos terroristas, e ainda fechar locais usados para “pregar o ódio”, como livrarias ou websites radicais.

Essa série de medidas gerou bastante polêmica e fortes críticas de grupos ativistas em defesa dos direitos humanos. No entanto, Blair se defendeu dizendo que “se preocupava muito com as liberdades civis no país, mas a liberdade civil mais importante é o direito de viver sem a ameaça de ataques terroristas”.

Jovens na berlinda
Com tanta especulação sobre atentados terroristas, jovens ingleses começaram a prestar mais atenção no que está acontecendo no mundo. Eles se interessam pelo assunto, discutem, opinam, fazem blogs e até criam grupos de discussões. Organizaram dezenas de protestos contra a invasão do Iraque e o plano de Blair e criaram novas organizações. Uma delas é a School Students Against War (SSAW – “Estudantes contra a guerra”), fundada em 2003 somente por alunos de escolas da Grã-Bretanha. O movimento é tão organizado que há dois anos conseguiu reunir aproximadamente 50 mil jovens em um protesto nas ruas contra a guerra no Iraque, e conta até com um website na internet (www.ssaw.co.uk, em inglês) que dispõe das últimas notícias e futuras campanhas.

A maioria dos jovens que fazem parte da SSAW se reuniram na capital inglesa dia 24 de setembro em um protesto contra a presença de tropas inglesas no Iraque. São jovens espalhados por todo o Reino Unido que defendem a liberdade civil, a comunidade islâmica no país e que se reunem periodicamente para discutir os planos do governo e organizar campanhas contra a guerra.

Em entrevista ao jornal inglês Socialist Worker, a estudante Alys Elica Zaerin, 17 anos, da coordenação do grupo, conta que todos os dias jovens a procuram interessados em fazer parte da SSAW. “Temos que protestar contra esses abusos. George W. Bush e Tony Blair são responsáveis pelas 100 mil mortes que aconteceram no Iraque até agora. Eles têm poder suficiente para mudar essa situação e é por isso que não vamos ficar parados.”

Como Jean Charles
O estudante Thomas Will, 18 anos, que também integra a SSAW, garante que se ninguém protestar ou expôr suas opiniões, é fácil para o governo reprimir as pessoas. “A liberdade civil que temos é algo limitado, mas um princípio muito importante”, afirma. “Mesmo que não sofremos diretamente sobre os ataques aos direitos humanos ou que pareçam não ter significado imediato na nossa vida, mesmo assim estão nos atacando, pois qualquer dia um de nós pode ser preso sem nenhum tipo de julgamento.” E serem vítimas como aconteceu com o brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado por policiais, em 22 de julho.

O jovem britânico afirma que os ataques de 7 de julho não o impressionaram e acredita que o terrorismo não afeta o governo de Tony Blair, apenas faz com que ele fique ainda mais forte.

A inglesa Manuela Martins, 19 anos, considera a situação muito delicada e sai em defesa do premiê. “As pessoas aqui estão muito assustadas com o terrorismo e Blair precisa fazer alguma coisa para controlar quem está envolvido em movimentos radicais”, diz a estudante, que concorda em deportar se for preciso. Manuela defende o primeiro-ministro em alguns pontos, mas é contra a guerra.

Assim como Manuela, a estudante Shiwley Begum, 19 anos, também concorda em deportar gente que está ligada ao terrorismo. “Sei que é uma situação difícil por causa da liberdade civil, mas acredito que essa lei deve ser colocada em prática desde que saibam exatamente quem está sendo colocado para fora do país”.

A vida dos brasileiros residentes em Londres depois dos ataques terroristas também mudou. Há um ano e meio na Inglaterra, o paulista Thiago de Lima, 22 anos, conta que chegou a mudar de vagão no metrô ou descer do ônibus antes de seu ponto porque desconfiou de certos passageiros. “Hoje tudo já voltou ao normal, mas cheguei a mudar de metrô quatro vezes em um mesmo dia por suspeitar de gente estranha”, conta.