23 agosto 2006

Um velho-novo país

Moro em Lisboa há quatro meses, mas pouca gente sabe disso. Também, o que são quatro meses diante da infinidade do tempo que nos cerca? E digo uma coisa: mudar pra cá foi uma das atitudes mais sensatas que tomei ultimamente.

Vim com a filosofia de “quem muda de país uma vez, muda duas e muda três”. E diante dos meus sentimentos, já não tinha mais nada a perder, mesmo. Aqui em Portugal, na terra que vem do meu sangue, estou em casa. Imensamente. Sinto-me eu mesma, revigorada e ainda por cima tenho a oportunidade de ir à praia todo final de semana. Sim, porque eu passei toda a minha juventude com marquinha de biquíni.

Aquele cinza de Londres que todo mundo diz que existe – e que a gente sabe que existe mesmo – já estava me sufocando e me deixando um tanto triste. Sim, usemos essa palavra, que é pra não dizer algo mais profundo. “Depressivo” é uma palavra muito forte pra quem apenas teve os sintomas da tal doença.

Não que a capital britânica não seja uma cidade divina, pois é! Eu é que acabei me desencantando na terra da Rainha. E resolvi arriscar. Claro que tive medos, receios e pensei que poderia não dar certo. Mas diante de tamanho desafio, bati forte no peito e decidi que viria. “Qualquer coisa eu volto”, pensei. E foi assim que vim parar em Lisboa: sem família, sem marido e sem amigos.

Ainda não posso dizer que voltei a morar “num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, mas aqui, pelo menos, eu abro a janela e vejo o sol, e isso á algo fundamental na minha vida. A afinidade cultural é a mesma, e aqui sim: há calor humano. Adoro a Inglaterra e passei lá dias felicíssimos da minha vida. Aprendi, cresci, até que comecei a pedir mais. Queria voar mais alto.

Em uma conversa interessante com o jornalista Marcos Uchôa, aprendi que na Inglaterra, o pessoal ri. “Mas no Brasil, eles dão gargalhada. E isso faz uma diferença muito grande na vida”. Não que eu tenha aprendido isso com ele, mas depois desse dia passei a reparar melhor. Ele estava certo.

Estou feliz. E digo já uma coisa: se não é no Brasil, na Inglaterra e se não for em Portugal, há de ser em algum lugar do mundo. E tenho certeza que eu, com tamanha gana de viver, hei de não ter problemas em encontrar o meu próximo lugar.

05 agosto 2006

Paixão retratada

Lembro-me, como se fosse hoje, como tudo começou. E foi por acaso. Aquela geração de 1992 apenas me incentivou ainda mais a praticar o esporte. Não, mas não estou falando de futebol. Geração de 92? Sim, aquele time de vôlei que ganhou a primeira medalha olímpica brasileira em esportes coletivos. Uma geração vencedora de uns meninos que mal conheciam a palavra vitória e motivada por um capitão pra lá de orgulhoso de ser brasileiro.

Acabei jogando vôlei durante sete anos, todos vividos no auge da minha adolescência. Sim, e orgulho-me disso. Tinha metas, sonhos e objetivos. Queria ser jogadora de vôlei, jogar pela seleção e disputar uma Olimpíada. Eram sonhos, muitos sonhos que vivi intensamente. Treinava, suava, fazia questão de levantar uma bola perfeita pra minha companheira de equipe passar pelo bloqueio adversário e conseguir colocar a bola no chão.

Acompanhei histórias, perdi, venci e vivi momentos de glória. Dei autógrafos, cheguei até mesmo a tirar fotos com crianças que achavam que eu ficaria logo famosa. Fui tiete, sim, como toda garota da minha idade. Corria atrás dos jogadores, escrevia cartas, pegava autógrafos e sonhava em tirar foto ao lado deles. Consegui muitas e muitas vezes. Outras não.

Mas, então, naturalmente, um por um, fui tornando-me amiga deles. Cumprimentos, elogios, conversas antes e depois dos treinos. Tinha até um deles interessado na minha ingenuidade de menina. Porém, este desistiu logo.

Hoje tenho 25 anos, já não jogo mais vôlei, mudei meus planos e minha vida tomou outro rumo. Mas acompanho a nossa seleção brasileira masculina de vôlei há 14 anos. Assisto jogos, vou às partidas, comemoro cada vitória como se eu mesma estivesse ali dentro de quadra. E sofro, também sofro com a derrota. Emoções e sentimentos, para mim, andam de mãos dadas.

Uma paixão que ainda não acaba por aqui. A seleção muda, se renova e ganha novos jogadores e capitães. Mas sempre acompanharei nossa seleção de sucesso, como sempre fiz, desde menina.

01 agosto 2006

Recanto no Mediterrâneo

(Matéria originalmente publicada na revista Plenitude, Lisboa, agosto/2006)

Considerado um dos maiores destinos turísticos da Europa, Palma de Maiorca recebe visitantes do mundo todo atraídos pela beleza das praias, pela arquitectura local e até mesmo pela sua simplicidade

Mariana Cacau

A paisagem é calma, serena e repleta de belas praias de areias brancas e finas. Baías tranquilas, pequenas vilas de pescadores e campos de trigo também tomam conta do cenário. É assim a ilha de Maiorca, a maior e mais badalada das Baleares, arquipélago que também compreende as ilhas Menorca, Ibiza e Formentera. Situada na zona mais ocidental do mar Mediterrâneo e apenas a 200 quilómetros de distância da Espanha continental, Maiorca caracteriza-se não somente pelo clima ameno e temperaturas moderadas, mas também pelas heranças romanas, islâmicas e catalãs deixadas em seu centro histórico.

A sua capital, Palma, tem uma população de quase 380 mil habitantes e é um dos destinos mais procurados da Europa por turistas que acorrem às estâncias balneares em busca de sol, das águas mornas do mar e da brisa morna que vem do Mediterrâneo. Por isso, escolher a melhor praia torna-se uma tarefa difícil. Mas diante de tantos visitantes, os locais de maior aglomeração de turistas são El Arena, Playa de Palma e Ca’n Pastilla, situados a oeste da capital.

Além de todo o contacto com a natureza que a ilha oferece, outras diversões também ficam por conta da animação da cidade diante dos inúmeros bares, restaurantes, lojas e discotecas sempre cheias, principalmente nos meses mais quentes do ano. É devido a toda essa infraestrutura que a capital é conhecida pela agitada vida nocturna. Mas apesar do ambiente moderno, Palma foi fundada há muitos anos; ainda no século I a.C.

Cultura
Engana-se, portanto, quem pensa que Palma é somente um lugar sofisticado e cheio de agitação. A cidade ainda preserva uma imensa riqueza cultural e arquitectônica cercada de palácios barrocos, igrejas góticas e um bairro antigo cheio de mansões. O cenário histório também é lugar de destaque.

Uma parada obrigatória para o viajante que caminha rendido pelos encantos do centro antigo é a enorme catedral gótica, La Seu. Símbolo maior da ilha e cercado pelo Parque do Mar, o patrimônio mais espectacular de Palma foi construído em calcário dourado ainda no século XIII. A catedral teve seu interior remodelado séculos mais tarde pelo arquitecto Antoni Gaudí, que dirigiu uma série de trabalhos destinados a recuperar parte de seu espaço original.

As paisagens em Maiorca, místicas de um Mediterrâneo que já foi cruzado por Romanos, Árabes e Cartagineses, sofrem alterações constantes. Ao norte da ilha encontra-se a serra da Tramuntana, uma vasta planície central com mais de 3600 km² de alternadas montanhas abruptas. A região é cercada de olivais, belos bosques de pinheiros e pequenos vilarejos. No alto da serra, ainda é possível visitar a remota aldeia de Lluc que abriga um mosteiro construído nos séculos XVII e XVIII.

Quem viaja para Maiorca em busca de algo mais além de praia e da agitada vida nocturna certamente o encontrará. Também se darão conta dos belos pomares de árvores frutíferas, dos portos de pesca onde os piratas de outrora atemorizavam os habitantes da ilha e ainda das numerosas residências aristocráticas espalhadas pelo campo. O importante é que, em Maiorca, os turistas têm perante si um extenso canal de cultura, conhecimento e lazer.

Unidos pelo samba

(Matéria originalmente publicada na revista Jungle Drums, Londres, fevereiro/2006)

Projeto une jovens do Rio e de Londres através da música e da dança

Mariana Cacau

Tudo começou há alguns anos quando representantes de duas escolas de samba do Rio de Janeiro resolveram vir para o Reino Unido. Com o passar do tempo, as coisas foram dando tão certo que inúmeros projetos ligados ao samba foram surgindo. Projetos diferentes, mas com apenas um objetivo: mostrar o lado positivo e cultural do samba, não somente para os brasileiros, mas também para os ingleses.

Assim, em 2002, surgiu o Samba Xchange (www.sambaxchange.org), um programa desenvolvido com a ajuda do Creative Partnership, no sul de Londres, que em parceria com a Paraíso School of Samba e o A2 Arts College formaram um grupo comunitário chamado “Samba Zona Sul”, que já vem se apresentando em diversos eventos locais, como no Carnaval de Notting Hill. As escolas de samba cariocas Mangueira e Estácio de Sá também estão engajadas no projeto. É assim, através dessas parcerias no Rio de Janeiro e em Londres, que o Samba Xchange tenta explorar e ensinar os impactos culturais da dança às crianças e jovens entre 12 e 18 anos.

O coordenador do projeto, Matt Lewis, é um inglês apaixonado pelo Brasil e que morou no país durante pouco mais de um ano. Ele explica que a principal intenção do Samba Xchange é a troca de idéias entre os jovens e fazer com que eles conheçam novas pessoas a fim de gerar algo positivo no futuro. “Na verdade, samba é apenas uma porta de entrada. O importante, além de aprender mais sobre a dança, é fazer com que eles descubram uma nova cultura e modos de vida diferentes das que eles têm em Londres”, conta Matt.

Para que essa aprendizagem aconteça na prática, o Samba Xchange planeja levar entre dez e 15 jovens para o Brasil até o final deste ano. A idéia é fazer com que eles participem de atividades culturais no país e ensaiem com escolas de samba do Rio de Janeiro. “Eles curtem o que fazem. Não sabem muito sobre o Brasil, mas de repente se vêem envolvidos com o samba: dançam, tocam, cantam e criam suas próprias fantasias alegóricas”, afirma Matt.

A troca de experiência e cultura deve acontecer também para as crianças brasileiras: elas virão para Londres aprender inglês, ficarão em casas de família e participarão de eventos, como o Thames Festival, em setembro. Tudo será muito bem monitorado pelos coordenadores do projeto. Entretanto, como eles ainda estão procurando patrocínio, a maior preocupação do pessoal do Samba Xchange é se eles terão condições financeiras suficientes para levar esses planos adiante.

A arte de investigar a vida

(Matéria originalmente publicada na revista Viração, São Paulo, novembro/2004)

Mariana Cacau (texto e foto)

Persistente, calmo, flexível e democrático. Ouvir e aprender com os outros. É assim que o jornalista Caco Barcellos se considera em poucas palavras. Dono de uma fantástica trajetória de reportagens e histórias jornalísticas, Caco ingressou nessa profissão por acaso, quando ainda estudava engenharia e percebeu que tinha aptidões para a escrita. "Gostava muito de escrever e comecei a fazer o jornal da faculdade", lembra. "Então, parei o curso que estava fazendo e fui com o jornalismo até o fim".

Depois de ter trabalhado por alguns anos de forma independente na América do Sul e Central, onde contava história dos povos latinos, Caco foi convidado a trabalhar na mídia impressa e, só mais tarde, foi parar na televisão. "Gostei muito da TV quando fui morar nos Estados Unidos", explica o gaúcho. Hoje, entre idas e vindas, ele está há mais de 15 anos na Rede Globo.

A investigação é uma de suas grandes marcas. Para ele, tudo deve ser perfeitamente planejado e tem como fator básico para esse tipo de jornalismo a segurança. Caco conta que algo que considera fundamental é avisar o acusado de todas as informações que possui contra ele antes de colocar a reportagem no ar. "A primeira coisa que eu faço antes de denunciar alguém é avisar que vou denunciar", explica. "Isso serve para ele poder se defender e provar que eu estou equivocado. Se minhas informações estiverem erradas, serei obrigado a jogar no lixo anos de pesquisa que foram levantadas contra ele", conta.

Seus dois mais recentes livros também tiveram como base a investigação: Rota 66 e Abusado. O último narra a história de um traficante no morro Dona Marta e revela o esquema da venda de drogas e outras atividades ilegais no Rio de Janeiro. Além disso, Caco ganhou a confiança dos moradores do morro e a ele foram contadas as táticas das quadrilhas e a rota que a droga percorria. Isso lhe rendeu, em setembro, o Jabuti como livro do ano na categoria não-ficção, o mais tradicional e importante prêmio literário brasileiro. "Foi uma grande surpresa para mim", entusiasma-se.

Depois de alguns anos vivendo na fria cidade de Londres - assim ele mesmo descreve - como correspondente internacional, o jornalista agora vive em Paris, de onde também envia suas reportagens para o Brasil. Lembra, porém, para aqueles que começam agora, que ter talento somente não basta. Com anos de experiência nessa área, ele garante uma coisa: tem que trabalhar.

Se ele, que tem talento de sobra, diz isso, alguém vai duvidar?

Pra lá de Bonito

(Matéria originalmente publicada na revista Viração, São Paulo, outubro/2004)

Mariana Cacau, de Bonito - MS

Ele simplesmente tem prazer pelo que faz. Também, quem não teria? Trilhas, caminhadas pelas matas, flutuação nos rios com peixes coloridos, visitas às grutas todas as semanas e, ainda com sorte, deparar-se com uma sucuri.

O cenário: Mato Grosso do Sul. A cidade? Bonito. É ali mesmo, naquele lugar com pouco menos de 20 mil habitantes, que encontramos Ederval Carbonaro, um jovem guia de 30 anos que há 8 vem dedicando todo o seu trabalho em defesa da cidade e do turismo. Nascido em Itaporã, a alguns quilômetros dali, Ederval foi para Bonito e gostou tanto da cidade que resolveu ficar. Dois anos depois, foi convidado a fazer um curso de guia. "Passei nos testes e logo comecei nessa área", conta.

Trabalhar como guia em uma das mais belas e melhores cidades de ecoturismo do Brasil é muito prazeroso, mas não é tão fácil como parece. E como em tudo que se faz, há vantagens e desvantagens. Ederval aponta a qualidade de vida como um dos principais pontos positivos de seu trabalho, além de poder conhecer muitas pessoas. "Tenho contato diariamente com muita gente de todos os lugares do mundo", afirma. "Isso enriquece muito meu conhecimento e minha cultura."

Mas qual será o lado ruim de ter um escritório em campo aberto, em uma mata cheia de bichos, com rios de água límpida e peixes de todos os tipos? A resposta, ele mesmo dá. "Às vezes, perdemos um pouco nossa liberdade. O turista depende totalmente dos guias para fazerem as coisas e acabamos virando o centro das atenções. Isso nos esgota um pouco, apesar de ser conseqüência do trabalho", conta.

Capaz de diferenciar o canto de cada pássaro, uma plantinha da outra, ou ainda um tronco de árvore entre milhares que podem ser vistos na região, Ederval afirma que ser guia é uma profissão como as outras, apesar de parecer que ele passeia todos os dias. "Não é assim. Eu trabalho com pessoas, e para isso preciso de uma dinâmica e de um jogo de cintura muito grande", avalia.

Para Ederval, um turista em Bonito não faz somente ecoturismo, mas também recebe um pouco de aula de educação ambiental. "Se o turista não pode fazer algo, o guia explica o motivo e as conseqüências para a natureza." Cuidar dos turistas é um jeito bonito de trabalhar, curtir a vida e a natureza. Aliás, é pra lá de Bonito.